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“Quando contemplares como estagnação e estéril deserto tua falta de fantasia, de inspiração e de vivacidade interior, e impregnares isso com o interesse que em ti desperta o alarme por perceberes tua morte interior, então algo pode acontecer contigo, já que teu vazio interior oculta uma plenitude tão grande quanto ele mesmo, contanto que permitas que ela penetre em ti. Se te mostrares receptivo a esse ‘clamor do deserto’, então o anseio por plenitude dará vida ao ermo estéril de tua alma, como a chuva revive a terra árida”.
Carl Jung - Mysterium Coniunctionis, §184
“Toda a profissão tem seus entraves, e o da análise é tornar-se infeccionada de projecções e transferências, principalmente das de natureza arquetípica, quando o paciente supõe que o analista é o preenchimento dos seus sonhos, não um médico comum, mas um herói espiritual e uma espécie de salvador”. – C.G. Jung
"Muito se fala sobre o poder do perdão. Não à toa. O perdão é extremamente poderoso no sentido de permitir que sigamos adiante. Em deixar pra trás uma fixação que, de alguma forma, nos impediria de continuar caminhando. Apesar disso, é perigoso tomarmos o perdão como regra de conduta ideal; pois o perdão é um processo. Não se perdoa a partir de uma decisão moral. Desta forma, procederia como um corredor que quer iniciar a corrida já na linha de chegada. É preciso viver o processo do início ao fim; para que o perdão nasça por si só, tal qual um fruto maduro. É um processo arquetípico que precisa passar pelo ódio e pela tristeza para poder finalmente chegar no perdão. Exatamente por esse motivo, tomar o perdão como regra de conduta ideal impede que o processo seja vivido e, portanto, não permite que se realize verdadeiramente.
Como nos permitir sentir o ódio se achamos que o correto é perdoar? Justamente na porta de entrada do processo - a raiva -, recuaríamos assustados, culpados, pensando estar sentindo algo errado; algo que não deveríamos sentir, já que, afinal o correto seria perdoar. Assim, toda a raiva é reprimida e o ego decreta: "está perdoado". O problema é que não está. Esse tipo de perdão não passa de uma grande mentira que impede a dolorosa, mas salutar, tomada de consciência de que não somos os portadores das virtudes coletivas. Nesse caso, o processo do perdão foi abortado antes mesmo de iniciar. Uma pequena semente se afundou, em estado de dormência, na terra preta. Aguardando que alguma circunstância da vida a umedeça para fazer nascer a antiga raiva reprimida. Que anseia por ser vivida até o fim. Até desembocar na tristeza; que finalmente nos desarma e, aí sim, prepara o terreno para o nascimento do perdão. Portanto, não há perdão se não tivermos coragem de viver nossa raiva. É necessário dar curso a um processo arquetípico - uma experiência afetiva; e deixar que chegue até o fim. Sabe-se lá quanto tempo isso pode demorar. Passada a raiva, a vitimização e a tristeza, uma pequena luz poderá nascer. Um entendimento sobre a ignorância que está na base da dor provocada por aquele que será perdoado. "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". A mesma ignorância que também carregamos. No fim das contas, então, somos parecidos. Será que teríamos a coragem de abrir os olhos para o fato de nossa própria ignorância também gerar dor semelhante aos outros? Assim, não precisaríamos mais de um algoz para servir de mula a carregar nossos próprios crimes não admitidos. Aquele que será perdoado pode, então, ser libertado de ter que carregar o crime que não queremos reconhecer como nosso. No fim das contas, para perdoar o crime do outro é necessário perdoar, ao mesmo tempo, nossos próprios crimes. A dor profunda que nos foi provocada, apesar de machucar, também faz surgir nosso caminho. Descobrimos que somos quem somos graças à dor provocada pela ignorância daquele que será perdoado. Nosso caminho, nosso sentido, e tudo aquilo que daí floresceu e ainda florescerá, existe graças a ele. Assim pode nascer a gratidão; cujo perdão parece ser uma consequência imediata. Portanto, o perdão, enquanto regra de conduta, não passa de uma ilusão que eleva a pessoa para além dela mesma; onde permanece dura, acima das demais pessoas. Isolada como se estivesse santificada, ou melhor, mumificada. Já, o verdadeiro perdão nos rebaixa e faz-nos deparar com nossas próprias faltas não admitidas; nos obrigando a uma reconciliação com o que há de humano em nós e, assim, nos habilita a habitar a comunidade dos homens ao invés das alturas do Olimpo. O perdão verdadeiro não nos eleva acima das demais pessoas e, por isso, não pode ser objeto da nossa vaidade; ao contrário, nos aproxima. Nos preenche de gratidão e aceitação. No fim das contas, o perdão não é algo que possa ser imitado, pois é o resultado de um processo profundo de transformação." Luis Paulo Lopes Num mundo obcecado pela busca da certeza, onde a previsibilidade é valorizada acima de tudo, é fácil perder de vista o verdadeiro encanto que reside na incerteza. Costumo dizer frequentemente aos meus pacientes: imagine, por um momento, se pudéssemos olhar para uma bola de cristal e ver claramente cada passo que daremos no futuro. Certamente, a ideia de saber exatamente o que está por vir pode parecer reconfortante à primeira vista, mas, ao examinarmos mais de perto, percebemos que a ausência de incerteza nos privaria de uma das maiores alegrias da vida: a surpresa.
A incerteza é o solo fértil onde brotam as mais belas flores da imaginação e da aventura. É o convite para explorar o desconhecido, para nos lançarmos em direção ao inexplorado com coragem e curiosidade. Na ausência de certeza, somos livres para sonhar, criar e nos reinventarmos a cada passo do caminho. É a incerteza que nos permite olhar para o mundo com olhos de criança, cheios de maravilha e expectativa diante das possibilidades que se desdobram diante de nós. Consideremos, por um momento, o tédio inevitável que resultaria se conhecêssemos cada detalhe de nossas vidas antes mesmo de acontecer. Seria como ler um livro cujo final já conhecemos de antemão, onde cada página virada fosse apenas uma confirmação monótona do que já sabemos. A verdadeira magia da vida reside na imprevisibilidade, na capacidade de sermos surpreendidos a cada esquina, a cada encontro, a cada nova experiência. Assim como um idoso que entra num lar nos seus últimos dias, a certeza absoluta do futuro muitas vezes transforma cada momento presente numa espera angustiante pelo inevitável fim. No entanto, se nos encontrarmos nessa situação, que o façamos numa fase da vida em que essa mudança não represente o fim inexorável, mas apenas uma mera transição para um novo cenário no qual ainda possamos abraçar a incerteza como uma bênção. Somente assim, somos capazes de viver cada dia com uma intensidade renovada, conscientes de que cada instante é uma oportunidade única para nos encantarmos com o novo e nos maravilharmos com as possibilidades que a vida tem a oferecer. Que possamos, então, acolher a incerteza como a musa inspiradora que é, conduzindo-nos pelas paisagens desconhecidas da vida com coragem, gratidão e uma profunda apreciação pelo inesperado. Ao abraçarmos a incerteza como uma aliada em nossa jornada, somos desafiados não apenas a crescer, mas também a nos reinventar, encontrando beleza na imprevisibilidade do caminho que percorremos. Via João Carlos Major
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Blog destinado a partilhas e reflexões sobre psicologia e psicoterapia. Arquivos
Março 2024
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